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Vida bandida

Borbulham as lágrimas nos olhos
O peito se aperta
A cabeça dói.
Vem o constrangimento de ver sua alma desnuda
Suja, limpa, turva
Seja como for, seja o dia que for.
Palavras amontoam-se na garganta
Rebeldes, buscam revelação
Mas é melhor não
Esforço não reconhecido
Cobrança sem estímulo

Tentativas vãs de te mostrar o bem-querer

Solidão bandida
Se disfarça de companhia
E macula a beleza de ser

A vida passa corrida
E cegamos a vontade de ver
O que não queremos perceber

Esporte com humanismo

No último domingo (16), diversos atletas do Complexo HC participaram da 20ª Maratona Pão de Açúcar de Revezamento de São Paulo. Já participaram do evento como um todo – realizado em cinco capitais Brasileiras – mais de 335 mil pessoas, que percorreram mais de 2 milhões de quilômetros.

Representado por 92 corredores, distribuídos em 12 equipes, o ICESP deu um show de atletismo, humanismo e solidariedade. Um dos competidores foi Alcimar Pedroso Fernandes, fisioterapeuta da UTI. Aos 39 anos, o ex-atleta profissional de triatlo, correu 52 quilômetros. Explica-se: ele foi responsável pela organização de várias equipes, compostas por amigos e profissionais de outros centros de saúde. Para dar conta do recado, contou com a ajuda da esposa, da sogra e da filha, de apenas sete anos – vale destacar que a menina já é apaixonada pelo esporte, tendo participado de competições de duatlo.

O maior exemplo, entretanto, está mais associado à solidariedade do que ao prazer em correr. Alcimar cresceu junto com o amigo Mário Matecardi. Ambos sempre foram apaixonados por esportes. Portador de uma paralisia cerebral que o levou à perda completa de visão, Mário tinha grande vontade de participar da Maratona. Seu sonho foi realizado neste 16 de setembro, quando pode integrar a competição.

Para isso, os amigos tiveram que treinar juntos, pois há regras bastante específicas a serem seguidas no que diz respeito ao ritmo, posicionamento e orientação dos atletas com deficiência visual. “Ao fim do trajeto de 10 quilômetros que fizemos juntos, eu estava aos prantos. Foi emocionante ver a alegria e o prazer dele ao poder participar da atividade”, conta. “A cada passada, ele vibrava: ‘que delícia; que delícia!’”, completa.

Alcimar também colabora com a sustentabilidade. Todos os dias ele faz o percurso de casa aos hospitais em que trabalha e de volta para casa – um trajeto que soma 90 quilômetros entre ida e volta – de bicicleta ou correndo. “É um prazer. Não gosto de usar o transporte público e me sinto feliz. Além de tudo, contribuo para a redução da poluição, já que o carro fica na garagem”.

 ICESP na Maratona

Neste ano, o hospital participou da atividade com outras instituições que compõem o complexo do Hospital das Clínicas, reunindo mais de 140 integrantes. Nossas equipes foram compostas por colaboradores de diversos setores, como Humanização, Reabilitação, Fisioterapia, Engenharia, Faturamento, Financeiro, Radiologia, Diretoria Executiva, Psicologia, Gestão de Relacionamento, Gestão de Pessoas, Oncologia Clínica, Tecnologia da Informação, Compras, Nutrição, Enfermagem, Pesquisa Clínica e Gerenciamento Interno de Leitos e Agenda Cirúrgica (Gilac).

Gestão da vida

Um dos maiores erros que um ser humano pode cometer é esperar do outro. Esperar que as atitudes do outro sejam coerentes com o que você deseja. Que ele responda do modo como você responderia ou com a resposta que lhe agradaria mais. Que ele retribua o favor do modo como você faria. Que ele discuta os problemas com a atenção que você daria.

O gerenciamento de expectativas é uma das maiores e mais difíceis lições que um indivíduo terá ao longo de sua vida. Este é um tema que permeará suas relações, em todos os âmbitos, ao longo de toda a vida. Estará presente nas relações familiares, estará presente nas relações profissionais, estará presente nas relações de amizade, nas relações amorosas e nas relações sociais.

Ao esperar algo de alguém – seja o que for, de quem quer que seja – cria-se a oportunidade para a decepção. Quando aprendemos a gerenciar bem as expectativas, quando deixamos de esperar que o mundo gire conforme nossa percepção exclusiva, estamos, na verdade, gerenciando frustrações. E a qualidade das relações humanas depende diretamente disso, do não esperar.

Porque esperar que os outros sejam sempre coerentes, se nós próprios não o somos? Porque esperar que os outros respondam da maneira como gostaríamos, se, por vezes, nós mesmos não respondemos às demandas alheias exatamente como eles gostariam? Porque esperar um retorno de maneira específica, se tantas e tantas vezes nós mesmos não o damos? Simples, porque o ser humano é egoísta.

Temos, então, duas grandes lições: para melhorar as relações humanas é preciso aprendermos a gerenciar nossas expectativas. E, para que isso aconteça, precisamos ser menos egoístas, mais altruístas. Difícil é por isso na prática. Muito difícil. Mais difícil ainda quando nossas ações estão pautadas na resposta que aguardamos do outro. Quando nossas atitudes estão embasadas em como o outro se comporta com relação a nós. O exercício diário de doar-se sem esperar nada em troca funcionou bem com Madre Tereza de Calcutá, Dalai Lama, Santo Agostinho e outras nobres e importantes figuras bem-aventuradas. Entretanto, para a grande maioria da humanidade é missão difícil que exige abnegação permanente.

Neste exercício diário de não esperar deve-se adicionar o não comparar – pelas exatas e mesmas razões óbvias. Se não devo esperar, pautada no entendimento de que cada indivíduo reage e se comporta de maneira diferente em função das experiências e valores cultivados até aquele momento – e some-se a isto seu estado de espírito atual, momento profissional, situação financeira, psicológica e emocional – o mesmo entendimento deve-se aplicar ao não comparar. Nesta complexa ciranda, salvam-se todos. Uns com mais feridas e cicatrizes que outros.

Ficam as lições: ser menos egoísta, gerar menos expectativas com base no comportamento alheio e não comparar. E vamos ao exercício diário de sermos cada vez melhores.

Carina Eguía e Thais Mirotti    

Um sorriso largo, simpático. Uma firmeza de impressionar. Uma voz serena, mas séria, com a seriedade de quem passou por muita coisa difícil, mas a sutileza e a garra de quem lutou até o fim. Um jeito moleque, mas de gente grande, muito grande em sentimentos, em pensamentos, na forma como encarar a vida. Aos 39 anos, o ator Reynaldo Gianecchini, recém curado de um câncer linfático, afirma que não teve medo da morte e nunca encarou sua doença como um castigo. “É a vida querendo nos dar umas cutucadas para enxergarmos as coisas e vivermos o dia-a-dia com intensidade, sem pesos, apesar das dificuldades”.

Durante sua doença e o período de internação, perdeu seu pai, também vítima de câncer. “Tive uma despedida linda dele e entendi ali a morte, sem ser uma coisa dolorida. A doença nos faz voltarmos para o nosso lado humano, espiritual”. Hoje, afirma que seus dias tem um sentido diferente, especial, dando mais valor as coisas, as pessoas.

De volta à vida, Giane, como é conhecido pelos amigos, retorna aos palcos, renovado e renascido, com a peça Cruel. E foi com esse espírito de superação, garra e simplicidade, que o ator recebeu a SP Câncer para uma conversa sincera e sensível, esbanjando alegria e vontade de fazer da vida o que ela simplesmente é: leve. “Quero viver o que tenho para viver hoje, e não simplesmente passar pela vida”.

SP Câncer – Você acredita que a história que você passou ajuda, de alguma maneira, quem luta contra o câncer? Como essa história o ajudou?

RG – Minha história é muito próxima da de muita gente. É uma história de várias famílias, que passaram pela mesma situação. Mas acredito que eu possa ajudar sim. O que passei foi feliz no sentido de que tive um posicionamento muito otimista em relação a doença. Eu não encarei nunca como um castigo. Nunca fiquei revoltado com a idéia de estar doente.  Desde o começo, foi muito espontâneo isso em mim e sempre acreditei que nada é por acaso, nem aquilo (a doença) era por acaso.  Acreditava que era preciso eu rever algumas coisas na minha vida, em todos os aspectos. Desde a sua alimentação, o seu jeito de viver, ou talvez a vida querer te dar umas cutucadas para enxergarmos outras coisas, o lado mais humano das coisas.
Aceitar minha doença foi acreditar que eu poderia aprender. Passar por essa experiência, de entrar em contato com a morte, me despertou esses sentimentos. Fiquei muito atento com tudo o que podia aprender e isso, na verdade, passou a ser um desafio para mim. Viver, todos os dias, foi um desafio muito grande e instigante. E eu sabia que esse processo iria ser enriquecedor para mim. Diante disso, ao invés de achar que era uma desgraça, um castigo, encarei como uma grande oportunidade para eu dar a volta por cima, para eu mesmo testar os meus limites, buscar a espiritualidade. Foi um trabalho interno que encarei como um desafio. Meu tratamento, que duraria seis meses, virou como um filme ou uma novela para mim, já que, sempre que eu vou para um trabalho, quero entender o que aquele processo vai trazer para a minha vida. Não só profissionalmente, mas pessoalmente. E foi essa a postura diante da doença. Pensava nas pessoas com quem iria conviver, nas trocas humanas. Sairia com um ganho desse “trabalho”, sempre pensando: “O que eu posso aprender com isso?”. Com certeza, hoje posso dizer que isso, na verdade, foi uma fase com mais coisas bonitas do que com dor e tristeza. Eu não tive tristeza nem dor. Acredito isso é muito pequeno perto de tudo o que recebi. A doença, às vezes, é só a ponta do iceberg para você conseguir enxergar o processo inteiro. E, quem consegue fazer isso, verá que tem muita coisa positiva para aprender. Me tornei um cara tão melhor (pensativo)… Descobri o que é a troca humana e passei a trocar muito mais com o ser humano, a me interessar mais pelo ser humano e a entender qual o sentido das coisas, para mim e na minha vida.

SP Câncer – Como foi esse tempo de espera entre a suspeita e o diagnóstico da doença, efetivamente?

RG – Por incrível que pareça, o que poderia ser uma tortura, no meu caso não foi. Porque eu fiquei tentando entender dentro de mim o que seria estar doente. Isso fez parte do processo e acho que fui buscando muito o meu lado espiritual para tentar entender o sentido disso, o sentido da morte, já que não sabia o que viria pela frente. E essa questão da morte é muito maluca. A gente vai ter que enfrentar em algum momento da nossa vida e todo mundo age como se não fosse enfrentar. E sim, a gente vai! Claro que eu sou muito novo e morrer jovem não é uma coisa que me parece muito natural, mas, de qualquer forma, a gente tem que contar com a morte. Sempre. E é muito bom sabia (mexe na cabeça, com um olhar bem distante). Se as pessoas pensassem mais que, amanhã, elas podem sofrer um acidente e morrer, por exemplo, elas iriam viver o dia de hoje com muito, mas muito mais intensidade e totalmente desprendidas de todos os apegos que não são importantes. E acho que é assim que a gente vive, contando com a morte. Olhando para ela. O meu presente tem um sabor totalmente diferente neste momento. Cada dia que eu passo, eu curto com intensidade. Até o sofrimento é legal não mascarar, de passar por aquilo, pensar o motivo de não estar bem e entender que, amanhã, você pode estar se sentindo ótimo. O presente se torna muito diferente quando você tem essa perspectiva da morte. Quando aceitei essa possibilidade, já comecei a viver o presente, a buscar o sentido das coisas.

SP Câncer: Você não teve medo?

RG – Olha, eu tive (pausa)… acho que tive um pouco sim. Mas foi tão sutil, mesmo. Tive uma força tão grande que foi mais forte que tudo, que todo o medo.

SP Câncer – Você é uma pessoa que tem uma vida extremamente agitada, está sempre em contato com diversas pessoas e situações. O tratamento exigiu que você ficasse ficar isolado durante um tempo. Como foi viver esse isolamento?

RG – Foi tranqüilo. Não podia e nem tinha como brigar aquela situação. E tem coisas que a gente não controla. Esse é o tipo de coisa que sabia que não tinha o menor controle. Eu simplesmente estava doente e pronto.  Tive que virar uma chavinha dentro de mim  e aceitar que aquele tempo, meu tempo, seria para me cuida, para viver o processo intensamente, com entendimento. Buscar a minha cura. Eu quis participar ativamente da minha cura, através de uma alimentação boa e que me ajudasse, também, na doença, através de exercícios físicos – por mais que seja difícil para quem está fazendo quimioterapia, e é, me forçava a fazer caminhada, pelo menos, quando dava. Busquei também uma saúde mental e espiritual. Tudo isso acredito que ajuda na cura, mesmo. Fui atrás da minha força vital, de alguma forma. Não tinha mais importância, para mim, ir para a academia malhar, vir trabalhar – embora eu adore o trabalho. Aceitei que o momento era viver o processo. Foi muito fácil porque não tinha ansiedade. Eu vivi o que tive para viver. Vivi um dia de cada vez. E acho que tem que ser assim. Viver um dia de cada vez, e viver o que o dia tem para te oferecer. Conviver com outras pessoas no hospital, principalmente com as criança, também me ensinou. Muiotas pessoas dizem que sou inspiração para elas, mas nossa (com os olhos brilhando), também tive muita inspiração nas pessoas. E como tive… Convivia e freqüentava os quartos todos, falava com os pacientes…  Era uma grande inspiração chegar no quarto de uma criança e ela estar ali, com um sorriso lindo, com toda a força dela, buscando e lutando… É muito bonito. Tinha gente ali com casos muito mais graves e as pessoas levando a situação com confiança, sendo leves. É muito comovente, e me tocou bastante. E eu imagino como é também para os médicos, que não estão doentes, mas que vêem as pessoas ali, batalhando pela vida. É mesmo um sentimento incrível de força, vontade.

SP Câncer – Na sua reestréia no teatro após a doença, boa parte da equipe médica estava te prestigiando. Como era sua relação com eles?

RG – Tive uma sorte enorme de cair nas mãos de uma equipe extremamente competente. E eu precisava realmente que fossem médicos muito bons, porque eu tive um câncer raro. Além de todos terem esse conhecimento do caso, tinham uma coisa que eu acho fundamental na vida do ser humano: cuidado e sensibilidade. Isso era preciso para lidar com toda a família e não só de quem está doente. Minha relação foi de muita troca, confiança, carinho, amor… e o que me deixou mais feliz é que esse tratamento era com todos os pacientes, uma relação de ser humano para ser humano. Isso foi muito importante.

SP Câncer – Qual você consideraria que foi a fase mais difícil do tratamento?

RG – Psicologicamente, o mais difícil foi o começo, receber a notícia. E é muito difícil para todo mundo, paciente e familiar. Mas, fisicamente, foi a reta final que senti mais, com o transplante. Principalmente porque foi um procedimento muito agressivo. Meu corpo sentiu bastante e foi bem penoso.  Mas, ao mesmo tempo, era onde eu estava mais forte porque sabia que, depois daquilo, iria dar tudo certo. Tinha esse sentimento comigo. E fiz tudo o que tinha que fazer. As pessoas me falam “Ah, você foi forte”… Acho que não tem muita alternativa. Ou você fica chorando, deprimido, ou você encara e vai buscar a força, vai lutar, fazer o que tem que fazer. E sem drama. Quando você encara de frente, tudo fica diferente. Você tem que tirar o peso e não pode ficar pensando o que vai acontecer lá na frente. É preciso viver o hoje. Tirando o drama, tirando o peso, tudo se torna infinitamente mais fácil.

SP Câncer – E a alegria de receber a boa notícia depois?

RG – Ah, isso não tem preço! Nunca duvidei e sempre estive muito otimista. Acho que tudo o que a gente coloca com amor no universo, se materializa, de alguma forma. E eu acreditei muito na minha cura, visualizei muito a minha cura. Enxergava eu saindo do hospital outra pessoa. Há casos que talvez não tenham cura porque não é para acontecer. Um exemplo disso foi o meu pai. Meu pai morreu de câncer e eu entendi que a história dele era essa, que ele tinha (pausa)…  que ele precisou ir. Nada é por acaso, ele precisou ir… Tive uma despedida linda do meu pai. E entendi muito, também. Foi importante eu passar por isso, porque, naquele momento eu entendi a morte. Não foi uma coisa dolorida, foi uma coisa que eu aceitei. Acredito que meu pai tenha vivido tudo o que ele tinha para viver, aprendeu o que tinha que aprender. A doença também fez dele uma pessoa diferente, fez ele voltar para o seu lado humano. A gente tem que lutar e viver o dia a dia, buscar a cada dia o crescimento, em tudo o que fazemos. Ser melhor profissional, ser melhor amigo, ser melhor amante, ser melhor em tudo.

SP Câncer – O fato de fazer o transplante e precisar de uma quimioterapia tão agressiva, que acaba com todas as defesas do organismo, faz com que o corpo tenha uma sensação de que está renascendo depois que o processo acaba… Você se sente renascido?

RG – Muito. É impressionante.  Fisicamente você renasce, suas células são todas novas, a pele é nova, a unha, os pelos, o cabelo… É tudo novo. E, internamente, é um renascimento consigo. Acredito que ninguém que passa por isso, por essa experiência, é a mesma pessoa depois. Me sinto, muito alterado, e para melhor.

– Qual a importância da sua família nesse processo de tratamento e recuperação?

RG – Minha família foi e é fundamental. Não dá para imaginar como eu passaria por isso sem a família. Minha mãe ficava ali, dia e noite comigo, era minha grande companheira. E além disso, foi muito guerreira, já que meu pai também estava doente. E foi curioso… acho que ela se abalou muito e ficou  frágil com a história do meu pai. Mas quando apareceu a minha história também, o meu diagnóstico, veio uma força extra nela. De frágil, ela virou uma pessoa forte demais. Durante todo o meu processo, ela esteve junto comigo. Era uma troca muito bacana de otimismo. Acredito que minha postura também tenha ajudado. Se eu ficasse reclamando, chorando, deprimido, seria muito difícil para ela. Mas eu era o oposto disso. Tinha um sorriso na minha cara todo dia. E não estava fingindo. Eu não estava triste mesmo. Eu nunca estive, nem um dia triste. Eu não sei se é amor incondicional, de mãe, mas dá uma força que é de admirar.

SP Câncer – E você recebeu muitas mensagens de apoio no hospital?

RG – Muita. Nossa, e como recebi. Isso também é outra coisa que me ajudou demais. Criou-se uma energia de amor muito forte e isso me alimentava. Era muito bonito. É ainda é. Recebi muito carinho. E eu tinha muita vontade também de dar amor para as pessoas, de trocar esses sentimentos. Esse foi um dos grandes ensinamentos que tive. A gente está aqui para trocar. A vida é muito rápida, somos ocupados com milhões de coisas para fazer, e não costumamos olhar para o ser humano que está ao nosso lado. A gente não é generoso no cotidiano, nas ações, em ajudar alguém na rua, em oferecer ajuda. Isso tudo mudou muito em mim. Hoje em dia presto atenção nas pessoas, quero ver o que elas tem para me dizer. Eu realmente olho bem dentro do olho e quero ouvir o que ela tem para falar, e, se eu puder, ajudá-la.  Estamos aqui para trocar e isso é muito positivo e é uma descoberta importante na vida. A doença mudou meu ritmo interno.

SP Câncer – Você é uma pessoa que dá exemplo de superação, de garra, de força, para as pessoas. Primeiro porque é o garoto que nasceu e cresceu no interior, ganhou a vida, se consolidou numa carreira que é extremamente difícil e cresceu muito profissionalmente. E depois por toda essa história com relação ao câncer. Você se sente um pouco responsável quando olham para você e tentam entender o Giane e se espelhar em você?

RG – Me sinto. De alguma forma, sim. Na verdade, quem é uma figura pública, tem muita responsabilidade. E por isso que é importante você cuidar da sua imagem. Mas cuidar no bom sentido.  Você sempre tem que oferecer uma imagem positiva para a população. E, querendo ou não, entramos na casa das pessoas de uma forma muito forte. Não dá para falarmos que não tem responsabilidade porque, sim, a gente tem responsabilidade. Mexemos com a sensibilidade, com sonhos, com as fantasias dos outros. Acho muito importante saber o que você vai comunicar, de que forma você vai fazer isso chegar do outro lado, E que seja sempre uma coisa positiva. Isso também faz parte do trabalho do artista.

SP Câncer – E como é voltar para o teatro, voltar para a vida, voltar para a casa?

RG – É ótimo. Ótimo! Eu gosto de trabalhar e de ter voltado à rotina com essa peça que fala muito de relações humanas. É interessante porque é como se eu tivesse uma outra leitura do texto. O tempo, as pausas, o jeito de falar… as palavras tem outro sabor na boca. Tudo o que passei mudou e mexeu muito comigo. O material do ator é o que ele carrega dentro de si. Esse é o material de trabalho dele. São as emoções, os aprendizados. Eu tinha certeza que isso iria me transformar muito como ser humano e refletir também no meu trabalho, para melhor. Hoje em dia, tenho muito mais bagagem para entender o personagem e trabalhar com a minha sensibilidade.

SP Câncer – Se pudesse descrever, em uma palavra única palavra, a sua vida hoje, qual seria?

RG – Em uma palavra? (suspiro e longa pausa). Viver. Essa é minha palavra. E viver no amplo sentido. Viver intensamente tudo o que tem. Acordo todos os dias e penso assim: “Eu quero viver o que tem para viver hoje, e não simplesmente passar pela vida”. Parece ditado, mas é legal quando a gente incorpora isso. Passamos a ser livres, leves.  Meus dias agora são muito mais preenchidos, mais intensos. Tenho prazer em tudo o que faço e nada mais passa batido. Isso é felicidade.

Eloisa Bonfá é a primeira mulher a assumir a Diretoria Clínica do HC. O desafio foi aceito com a determinação de quem quer fazer a diferença.

Por Carina Eguía

Amor pela medicina e vontade de ajudar foram as razões que levaram Eloisa Silva Dutra de Oliveira Bonfá a optar pela medicina. Neta e filha de médicos – o avô foi professor da Faculdade de Medicina da USP e o pai, formado pela mesma universidade, tornou-se professor titular e diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – a atual diretora Clínica do Hospital das Clínicas vê alguma influência familiar na opção pela carreira. “Mas a atuação deles estava muito mais ligada à produção científica. Meu interesse era atuar diretamente na assistência”, afirma.

Assim, ingressou na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, instituição pela qual concluiria, em seguida, sua residência em Clínica Médica. Estava dado o primeiro passo para garantir uma sólida carreira destinada ao cuidado do ser humano. A área de atuação foi complementada pela realização de uma pós-graduação em Reumatologia no Hospital for Special Surgery, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. “Reumatologia foi uma área que me despertou muito a atenção pois, naquela época, principalmente – e ainda hoje–, não se sabia, a causa dessas doenças. Além disso, são males que fazem desse segmento a área mais global, em termos de acometimento”, explica.

Daí em diante, sua carreira teve ascensão meteórica até que assumisse a cadeira de professora titular e a diretoria do Serviço de Reumatologia do HC. Feliz e realizada profissionalmente, Eloísa Bonfá diz que está satisfeita com a carreira porque sente que faz a diferença. E é com esse objetivo, o de fazer a diferença, que ela revela à SP Câncer porque aceitou o desafio de liderar a diretoria Clínica do maior hospital da América Latina, um complexo que reúne sete institutos, 15 mil funcionários e mais de dois mil médicos.

SP Câncer – Quais foram os principais desafios encontrados pela sra. ao assumir a Diretoria Clínica do HC?

EB – Tudo é um desafio aqui. Desde a consolidação da Diretoria Clínica, que, apenas nas últimas gestões – do Prof. Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho, do Prof. Marcos Boulos e do Prof. Dr. José Otávio Auler Costa Jr. – ganhou um destaque maior, a área conquistou um papel importante dentro da instituição. E, ter alguém que consiga aliar o olhar institucional com o assistencial traz uma contribuição muito importante. Acredito que o maior desafio – e eu já entrei com essa proposta – é tornar essa instituição um sistema único. É preciso olhar para o grupo como um todo. É muito comum que cada instituto busque solucionar suas problemáticas individualmente, mas ao buscar um olhar institucional, consegue-se ter uma força muito maior para resolver os problemas – ainda que a dimensão deles pareça maior.

SP Câncer – Esta é a primeira vez que uma mulher assume a diretoria clínica do HC…

EB – O Hospital das Clínicas tem uma influência muito grande da academia, onde o mérito é uma moeda muito corrente. Assim, acredito que minha indicação tenha sido por mérito; e o fato de ser mulher não teve influência – nem positiva nem negativa. Talvez, isso possa trazer alguma vantagem, no sentido de que a mulher tenha, quiçá, uma sensibilidade um pouco diferente na forma de tratar os problemas. Isso não é uma coisa específica da mulher, mas, é possível que isso ajude na gestão que, de uma forma ampliada, é um pouquinho da que se faz em casa, onde há uma diversidade de interesses e atividades muito grande. Mas, o que me deu uma sensação muito boa foi o fato de que, desde que eu assumi esta função, todas as pessoas que me procuraram foi para buscar trabalho. Quer dizer, busca-se mais espaço e melhores condições para trabalhar. Todos têm uma sugestão, querem ser ouvidos, participar do processo. E isso traz uma satisfação muito grande, é realmente gratificante.

SP Câncer – E quais as maiores contribuições que isto lhe traz profissional e pessoalmente?

EB – A dedicação à parte administrativa não fazia parte de um projeto pessoal meu, neste momento. Ocorreu que houve essa possibilidade, ou essa necessidade, e eu decidi participar disso. Como médica, como reumatologista, isso até poderia ser um retrocesso, uma vez que eu tenho que me dedicar muito às demandas mais administrativas. Mas, o grande ganho será se, no final, eu puder dizer que fiz a diferença, sentir que ajudei a melhorar a instituição. Todos os que assumem uma posição de liderança em algum momento serão chamados a fazer essa contribuição. E essa é a minha parcela de contribuição.

SP Câncer – Quais são os principais aspectos que tem norteado sua atuação nesta diretoria?

EB – Em primeiro lugar, é conseguir valorizar as pessoas que estão aqui, reconhecer o papel de cada um. Quero que as pessoas se sintam percebidas e valorizadas, pois vejo isso como uma coisa muito importante. Em segundo lugar, almejo melhorar e profissionalizar os fluxos, um problema sério na instituição pública de maneira geral. Por fim, buscaremos melhorar a qualidade do atendimento e da estrutura. Neste sentido, há um projeto muito grande para viabilizar a reforma de inúmeras áreas.

SP Câncer – O que já tem sido feito para que se possa atingir estes objetivos?

EB – Algumas ações já existiam e nós as estamos otimizando ou complementando. Criamos, por exemplo, núcleos assessores da Diretoria Clínica, que buscarão compreender o que já está disponível em termos de capacidade instalada, além de integrar, cada vez mais, a assistência à Academia e buscar soluções comuns para os problemas. Além disso, esta diretoria tinha um olhar muito específico para médicos. Agora, pudemos desenvolver um olhar mais ampliado, junto com a Superintendência, atingindo outras categorias, uma vez que foram criados núcleos de Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Enfermagem, por exemplo.

SP Câncer – O Hospital das Clínicas possui renome internacional. Como o Brasil é visto no exterior, quando o assunto é medicina pública?

EB – Não tenho dúvidas de que o HC tem um papel muito importante na visão internacional do País, uma vez que é o maior hospital público da América Latina. Essa ligação com a Faculdade de Medicina é extremamente relevante e, talvez, seja o que mantém, de uma forma muito sólida, a qualidade do hospital. Dentro de seu contexto de liderança, o HC tem o papel de melhorar a saúde pública nacional. Neste sentido, embora seja um hospital terciário, deve ajudar a rede a funcionar adequadamente, por meio da melhoria dos fluxos entre os atendimentos primário, secundário e terciário. Hoje, em razão da falta de integração entre a assistência primária e a secundária, o HC atende muitos pacientes que não seriam parte de sua missão. Assim, os atendimentos primário e secundário deveriam ser realizados, essencialmente, fora do Hospital das Clínicas – mas não sem sua liderança. É importante que o Hospital das Clínicas se atenha à missão e ao investimento que a sociedade faz nele, voltando-se prioritariamente aos casos mais complexos. Isto tem sido trabalhado por meio de uma grande participação do HC na Secretaria de Estado da Saúde, assumindo um papel importante na liderança da organização do sistema de saúde de São Paulo. E isso tem reflexos internacionais, uma vez que somos modelo para outros países da América Latina. Além disso, também somos líderes em termos de produção científica, de desenvolvimento de novas metodologias…

 

SP Câncer – Do seu ponto de vista, como está a produção de conhecimento em saúde?

EB – Isso é uma coisa interessante, porque a produção científica do HC não se dissocia da Faculdade de Medicina. Os médicos colaboradores do Hospital das Clínicas têm um papel muito importante na produção científica da FMUSP, representando uma boa parte, da produção da USP. Cerca de 30% a 50% da produção científica da Faculdade advém do HC.

SP Câncer – Em quê ainda estamos aquém das necessidades da população, quando o assunto é a saúde pública de qualidade? Como o HC contribui (ou pode contribuir) no sentido de mudar esta realidade?

EB – Essa é uma parte bastante sensível. Nós precisaríamos de mais investimento em saúde e, principalmente, de uma melhor organização do sistema. Reforçando o que disse, é preciso integrar os sistemas primário, secundário e terciário de uma forma racional, para que a população possa usar melhor os serviços. Essa integração é fundamental para otimizar o atendimento. Não sei se é suficiente, talvez precise mais. Mas, o que já está disponível pode ser melhor aproveitado com essa integração. Por isso a integração entre todos os institutos que compõe o Complexo HC também é importante. Assim, teremos cada vez mais subsídis para a resolução de problemáticas comuns.

SP Câncer – Temos acompanhado um grande progresso tecnológico da área médica, consolidando um verdadeiro arsenal que pode ser empregado do diagnóstico ao tratamento de diversas doenças. Mas também há um grande movimento no sentido de promover a humanização dos atendimentos. O que seria um atendimento de saúde ideal, na sua opinião?

EB – A humanização deve vir em primeiro lugar. Não há como prestar atendimento, principalmente em saúde, uma área ligada ao ser humano como um todo, sem trabalhar a humanização. A tecnologia não deve ficar acima da relação médico-paciente. Esse é um processo que nós temos que cuidar – e temos trabalhado muito nisso. Por essa razão, estamos ampliando a atuação do grupo de humanização e criamos um grupo de cuidados paliativos, que tem muito a ver com a humanização, na forma de atendimento. Teremos a inauguração de um Centro de Humanização, para alocar um grupo específico para trabalhar nestas questões. Alguns institutos já têm a humanização muito desenvolvida, como o ICESP, mas queremos isso como um foco institucional. Isso também é válido para o grupo de cuidados paliativo, a fim de podermos dar uma maior dignidade à pessoa. A tecnologia não pode sobrepor a qualidade de vida, em especial nos casos das pessoas que tem um tempo de vida muito curto e que poderia ser vivido ao lado ou com acesso ampliado à família – e não dentro de uma UTI com todos os aparelhos, mas sem nenhum acesso àqueles a quem se ama. Trabalhar a humanização é prioritário, especialmente em um hospital como o nosso.

Tempos

Na vida há tempo para tudo. Tempo de aprender. Tempo de absorver. Tempo de aplicar. Tempo de mudar. Tempo de refazer. Tempo de pensar. Tempo de agir… Tempo. Ciclos que se repetem e se renovam – e impulsionam a vida.

Para ela, agora era tempo de refletir. Uma reflexão dolorida. Dolorida porque fora motivada por um estado de mudança. Dolorida porque exigia o revirar de entranhas e feridas abertas. Na busca pela cura, pelo estar bem, pela paz é preciso passar pela dor. Uma dor que vem do lembrar, do ouvir, do sentir, do buscar, do esperar… Um pássaro, o sol, a lua, um prédio, um carro, uma xícara, uma palavra, uma música… Tudo e nada podem ser o gatilho para a reflexão profunda e dolorida que se impõe. Da reflexão vem um balanço, que nem sempre pode ser dividido na dualidade do bom e do ruim, do positivo e do negativo, do certo e do errado.

Esse era seu momento de refletir. Mesmo antes desse tempo, ela havia entendido que a vida lhe trouxera muitas coisas boas e outras tantas e tantas ruins. Havia entendido que tudo aquilo era fruto de suas escolhas. Ninguém mais poderia ser responsabilizado por qualquer ínfimo detalhe de sua história. Tudo resultava de caminhos que ela própria havia decidido seguir. No emaranhado de fios do acaso, cada conseqüência positiva e negativa havia sido fruto de uma escolha sua, em algum momento – da cor do cabelo à revolta emocional, do ouvir os conselhos dos pais à rebeldia imposta pela vontade de se firmar. Cada passo havia contribuído para a construção do seu caráter, da sua personalidade e de todas as suas características. Não havia arrependimento.

Ela sabia disso. E essa isso lhe dava a tranquilidade de afirmar que não se arrependia de nada. Viveu o que havia para ser vivido. Sentiu o que havia para ser sentido, em cada momento, como resposta às escolhas que havia feito. Havia acertado e havia errado. Teve felicidade e teve dor. Sorriu e chorou, sem vergonha de seus sentimentos. Sem medo de mostrá-los e enfrentá-los.

Esse tempo de reflexão estava lhe mostrando algo especial. Não há certezas. Da segurança nasce a insegurança. Da mesmice nasce o novo. Do infundado surge o real. As mudanças aplicadas foram tão profundas que derrubaram paredes inteiras do castelo que havia sido construído. As fundações, firmes estruturas forjadas ao longo do tempo por sólidos valores construídos davam-lhe a esperança de que seria possível limpar a bagunça, fazer a faxina e reconstruir o castelo com novas paredes, em outras disposições.

Mas isso exige calma, tempo e paciência. É tempo de se fechar, embora quisesse se expor, falar, revelar, transformar, compartilhar… Perguntas sem resposta, porquês sem justificativas, medos e inseguranças fazem parte do processo, embora detestasse tudo isso. Reflexão gera aprendizado. Pelo menos entende que sairá deste processo mais forte, mais amadurecida e transformada pelos valores que houver aprendido.

A Fundação Oncocentro de São Paulo concentra e analisa as informações sobre a doença no estado. A partir desses dados, é possível formular políticas públicas de controle da doença e assistência do paciente com câncer.

*por Carina Eguía e Felipe Godoy

Categórico e veemente. Assim é o médico epidemiologista José Eluf Neto, presidente da Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP) e professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), ao defender o papel da entidade, e os valores agregados do estudo epidemiológico do câncer, na definição de estratégias e políticas públicas para o controle da doença.

Fundada em 1967, como Centro de Oncologia (CEON), por um grupo de professores da FMUSP, o objetivo principal da entidade era de incentivar e coordenar o estudo de atividadesem câncer. Seteanos mais tarde, a Lei Estadual nº 195 transformava o CEONem Fundação Centrode Pesquisaem Oncologia. Comisto, a entidade agrega à seus objetivos precípuos o incentivo à pesquisa, enssino e assistência, concentrando, ainda, o estímulo de atividades de prevenção e detecção precoce da doença. Hoje, a Fundação Oncocentro de São Paulo é responsável, entre outras funçãões, por gerar dados epidemiológicos do câncer referentes ao Estado de São Paulo, promover a formação de cancerologistas e o treinamento de técnicos especializados, desenvolver pesquisas e métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer.

SP Câncer – O sr. Assumiu a presidência da Fundação Oncocentro em março de 2011. Como foi receber o convite para atuar nesta respeitada instituição ?

JEN – Receber o convite para presidir a Fundação, me deixou temeroso. Até aquele momento eu não havia acumulado experiência no Sistema Público, além de ter trabalhado em um centro de saúde ligado à Faculdade de Medicina. Mas, ao considerar que a epidemiologia é uma ferramenta fundamental para o controle do câncer, e tendo consciência de que essa é a minha especialidade, entendi que eu poderia contribuir de alguma maneira para o desenvolvimento da FOSP.

O interessante é que, ao analisarmos a história da entidade, podemos notar que ela teve seu início na FMUSP, como CEON, já manifestando, desde o primeiro momento a preocupação em atuar diretamente na prevenção e detecção precoce do câncer, principalmente do câncer ginecológico e de mama. Na área da assistência, o início da entidade foi marcado pela produção de próteses buço-maxilares. A preocupação com o registro epidemiológico da doença surgiu mais tarde, mas não tenho dúvida de que este seja, atualmente, o principal papel da entidade.

SP Câncer – Entre o registro de câncer, a formação de profissionais e a assistência, como está a atuação da FOSP atualmente?

JEN – Hoje a FOSP conta com três diretorias adjuntas, a de Informação e Epidemiologia; a de Reabilitação; e a de Laboratório e Anatomia Patológica. A primeira delas é a responsável por realizar o registro estadual de câncer. A área analisa dados de todos os hospitais públicos e de alguns hospitais privados de São Paulo, gerando informações capazes de auxiliar o Governo do Estado no desenvolvimento de políticas públicas para controle da doença. Agora, queremos estabelecer uma parceria para realização de uma pesquisa que permita averiguar como está a mortalidade por câncer. Estes novos dados ajudarão a incrementar as análises, fornecendo uma visão ainda mais completa sobre a situação da doença no estado.

A segunda diretoria concentra a atividade de assistência. Acredito que o atendimento realizado ali à população é uma questão de cidadania. Quando as próteses ficam prontas, os pacientes se emocionam muito, porque isso representa a chave para que ele possa retornar ao convívio social. Justamente pelos benefícios sociais acumulados por este nicho de atuação da entidade – e por ser considerada uma das melhores instituições na produção de próteses – acredito que, a médio ou longo prazo, a área deverá se desvincular da Fundação, dando passos mais largos no desenvolvimento de suas atividades.

Por fim, a diretoria-adjunta de Laboratório e Anatomia Patológica concentra a maior parte dos 105 profissionais da Fundação. Temos o orgulho de manter o melhor centro de formação de citotécnicos do país. É preciso um ano e meio para formar um bom profissional. O setor realiza análises de papanicolau, anatomo-patológicos e imuno-histoquímicos, sendo, este último um exame sofisticado, que demanda maior expertise dos profissionais. Além disso, este exame tem sido ferramenta chave para a decisão de terapêuticas. Assim, a tendência, em termos de futuro, é diminuir, na FOSP, o volume de análises de papanicolau ou anatomo-patológicos, que podem ser feitos por máquinas, e ampliar o volume de exames imuno-histoquímicos.

SP Câncer – Como está, de maneira geral, o cenário atual do câncer no Estado de São Paulo?

JEN – Um artigo publicado pela FOSP recentemente dá conta de que a mortalidade por câncer, ajustada por idade, tem diminuído de maneira geral. Nos países desenvolvidos este é um cenário que começou a se delinear há 10 anos.

Uma das principais razões para isso é a queda de mortalidade da doença no sistema gastro-digestivo, um tipo de câncer causado, principalmente, pelas condições de vida do indivíduo. Outro tipo da doença que tem apresentado queda é a de colo de útero.

Também analisamos que o de pulmão tem começado a cair, principalmente em homens, assim como de tumores que afetam a região da cabeça e do pescoço. Isso pode estar relacionado com a redução do hábito do tabagismo e do etilismo na população. Com os avanços no tratamento, também é possível notar a queda nas mortes infantis provocadas por leucemia linfóide aguda.

SP Câncer – Se os dados de incidência têm aumentado e a mortalidade reduzido, isso significa que é possível conviver com o câncer, como doença crônica. Mas é possível conviver com a doença mantendo a qualidade de vida?

JEN – O consumo de cigarro e álcool são os principais vilões quando se discute a prevenção da doença. Além disso, é preciso estimular ainda mais a população a manter hábitos de vida saudáveis, como alimentação adequada, prática de exercícios físicos e a manutenção de cuidados gerais com a saúde.

De fato, houve um avanço muito grande no tratamento do câncer no Brasil. Hoje é perfeitamente possível conviver com a doença desfrutando de qualidade de vida, assim como portadores de inúmeras outras doenças crônicas o fazem. Nesse sentido, cabe destacar, ainda, a evolução dos cuidados paliativos no país. O que queremos, agora, é desenvolver um indicador que se torne uma ferramenta capaz de avaliar a qualidade de vida do paciente em cuidados paliativos.Esta, aliás, é uma das preocupações do Comitê de Referência em Oncologia, presidido pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e do qual a FOSP faz parte.

SP Câncer – O sr. acredita que, ao personalidades assumirem publicamente o câncer, podem estar contribuindo no sentido de disseminar informação sobre prevenção e detecção precoce?

JEN – Eu acredito que a exposição desses casos para o público pode contribuir de uma maneira positiva, sim. Em primeiro lugar, porque esta atitude ajuda a desmistificar um pouco o problema. Em segundo lugar, porque estimula a discussão sobre a doença e leva à população uma consciência maior sobre a importância da prevenção primária e da detecção precoce da doença. Além disso, eu sou otimista. O Brasil tem melhorado em vários aspectos. Um deles é a produção científica, que cresceu significativamente em termos de quantidade e qualidade. As pessoas começam a entender que câncer não é sinônimo de morte; e que é possível conviver com a doença.

Na internação, um grupo de palhaços torna a estada no hospital mais humana.

por Carina Eguía

 

Eles chegam em duplas ou trios. Conversam com enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos, equipe da limpeza e quem mais estiver passando. Entram nos quartos e brincam, na busca por levar um pouco mais de diversão e alegria para os pacientes que se encontram internados. Ao contrário do que possa parecer, a cena não se passa em um hospital infantil. Ela se desenvolve no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), centro de alta complexidade para tratamento da doença em pessoas adultas.

Os palhaços invadem as unidades de internação, à noite, três vezes por semana. Integrantes de um grupo chamado Mad Alegria, são, basicamente, alunos de segundo ano dos cursos de Medicina, Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). O objetivo da ação é trazer um pouco mais do bem-estar desfrutado em casa para o ambiente hospitalar, acolhendo e abrindo espaço para o conforto físico e emocional em um momento crítico provocado pelo processo de adoecimento. “É nesse clima de fantasia e de imaginação que perpassam todos os medos, as angústias e os desejos”, avalia a coordenadora de Humanização do Icesp, Maria Helena da Cruz Sponton. “Por isso é tão importante o desenvolvimento de ações que ajudem os pacientes, adultos ou crianças, a expressar seus sentimentos”.

O grupo surgiu por interesse dos próprios alunos, sendo, em grande parte, estruturado por eles mesmos. O projeto ganhou dimensão e se transformou em curso de extensão, sob o comando da professora Maria Aparecida Basile, responsável pelo Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias. Ao todo, 38 alunos – dos quais dois eram profissionais do ICESP, Jussara Alves Ribeiro, concierge do Serviço de Hotelaria e Hospitalidade do ICESP e André Migotto, psicólogo – foram os responsáveis por desenvolver, estruturar e colocar o projeto em prática. Assim, formataram os detalhes, desde a definição de visão, missão e valores, à consolidação do Estatuto Social, formação de parcerias e contratação de professor para as técnicas de claun.

Com isso, tiveram a oportunidade de receber, paralelamente à grade regular se seus cursos, uma formação mais humanista. “Uma das questões mais importantes, quando falamos do Mad Alegria, está relacionada ao desenvolvimento profissional inovador proporcionado aos jovens da área da saúde”, avalia Maria Helena. “Desde cedo, os futuros profissionais têm a oportunidade de adquirir uma nova visão sobre como realizar o atendimento. Isso os torna mais sensíveis para acolher, escutar e entender as necessidades emocionais e psíquicas, além das físicas”.

Na opinião da coordenadora de Humanização do ICESP e da professora Maria Aparecida Basile, a formação como claun concedeu aos jovens profissionais uma nova gama de ferramentas para a criação de um vínculo mais forte com os pacientes, alcançando melhores resultados terapêuticos. Dessa forma, o projeto contribui de maneira significativa na formação de profissionais com a capacidade de entender as necessidades daqueles que estão tratando, de devolver-lhe a saúde, aliando a isso uma avaliação mais holística de cada indivíduo.

De acordo com Basile, desde a criação do Patch Adams, nos Estados Unidos, e, mais recentemente, dos Doutores da Alegria, no Brasil, busca-se a humanização da assistência em saúde, promovendo uma aproximação entre profissionais e pacientes. “É interessante ressaltar que o palhaço não é o único modo de se desenvolver um trabalho como este. Qualquer atividade cultural, como música, contação de histórias ou trabalhos artesanais, que ajude a relaxar e tirar o foco do ambiente hospitalar é benéfico”.

A importância do estreitamento do vínculo entre profissionais da saúde e pacientes, humanizando as relações, também se destaca como fator de grande relevância para os alunos que participaram do curso de extensão. “Ao trabalhar nossa formação dessa maneira, somos transformados em outro tipo de profissional. Cada um de nós será capaz de estabelecer uma relação horizontalizada com as pessoas que estivermos tratando”, afirma a aluna do segundo ano de Terapia Ocupacional, Amanda Manso. “É isso o que buscamos: ver as pessoas de uma forma diferente, integral”, explica.

Professores e profissionais concordam que este tipo de experiência desperta a sensibilidade do profissional de saúde. “Passamos a enxergar de outra forma como a doença afeta a vida não só do paciente, mas da família inteira. E eles também, quando nos veem vestidos de palhaços não nos enxergam em uma posição superior. Por isso é possível estreitar os vínculos”, explica Aline Jimi Myung Cho, aluna do curso de medicina.

Profissionais experientes também encontram na atividade uma forma de resgatar o bem-estar, a autonomia e a autoestima. André Migotto, psicólogo do ICESP que participou do curso, acredita que, assim, é possível trazer um pouquinho do bem-estar e da alegria de casa para o hospital. “O ambiente fica mais leve porque há espaço para a descontração e a diversão, ainda que em momento de crise”, avalia.

Para Aline, a atuação do palhaço com o paciente promove uma mudança instantânea no local. “Quando entramos no leito e o paciente ou o acompanhante estão meio prostrados, com uma conversa simples, às vezes umas brincadeiras, o clima muda completamente. Isso é muito gratificante”.

Educar Para Prevenir

Educação: da antiguidade ao mundo contemporâneo não se descobriu outra solução para melhorar o mundo.

Por Carina Eguia

Embora a discussão a respeito de como transformar o mundo não seja recente, permanece bastante atual. Independentemente da corrente político-ideológica adotada por qualquer indivíduo que se proponha refletir sobre o assunto, a questão da educação sempre será um dos pilares de qualquer argumentação.

Neste sentido vale lembrar que, desde a antiguidade, os principais filósofos discutem a importância do conhecimento – um valor, hoje, intimamente ligado à educação, ou à instrução – como instrumento preponderante para que se pudesse compreender e transformar o mundo. Esta questão foi abordada, por exemplo, por Platão ao longo de toda a corrente de pensamento adotada pelo filósofo. Em “Alegoria da Caverna”, por exemplo, defende-se o caminho da educação, em que o âmbito das ideias se relaciona com os conceitos científicos, assim como, no mundo dos sentidos, os objetos se relacionam com a imagem que produzem.

Foi da busca pela associação da realidade vivenciada pelos jovens, aos conhecimentos tácitos e explícitos de que eles já dispunham – e aliando-os às informações fidedignas sobre prevenção do câncer – que surgiu o projeto Educar é Prevenir. Desenvolvido pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), em parceria com as Secretarias de Estado da Saúde e da Educação, a iniciativa foi pensada para instruir e promover a reflexão dos estudantes a respeito de como evitar a doença, que se configura como a segunda causa de morte por enfermidade no país – a primeira, são as doenças cardiovasculares.

“O câncer que se torna visível em um indivíduo aos 50 anos começou a se formar, no mínimo, 20 anos antes. O processo de mutação das células que desencadeia o surgimento da doença é bastante longo. Assim, a adoção de hábitos de vida saudáveis desde a juventude é fator determinante na prevenção primária da doença”, alerta o diretor geral do Icesp, Paulo Hoff.

Com a ação, lançada em 24 de novembro – às vésperas do Dia Nacional de Combate ao Câncer, comemorado em três dias mais tarde – o Governo do Estado deu aos adolescentes do ensino médio um alerta: ter uma velhice saudável e produtiva depende das escolhas que forem feitas agora. Para que a prática alcançasse os efeitos desejados, ou seja, fosse capaz de transferir à comunidade jovem uma parte do conhecimento acumulado pelos profissionais do Instituto, o Icesp deslocou, simultaneamente, 80 médicos a 80 escolas estaduais da Capital, a fim de proferir uma série de palestras aos alunos do Ensino Médio.

Com a ação, 24 mil estudantes receberam orientações diretas sobre a importância da prevenção. Mas os jovens do interior e das escolas da Capital que não receberam a visita presencial dos profissionais da saúde também tiveram acesso às importantes informações transmitidas. Todos os adolescentes do ensino médio receberam a cartilha “Câncer: é possível prevenir” – foram impressos 1,5 milhão de exemplares, distribuídos nas escolas estaduais. A interação, nestes casos, também não ficou de fora. Em um vídeo, a equipe do Icesp responde dúvidas sobre a doença apresentadas pelos alunos.

“Esse projeto, além de grandioso, é fundamental para alertamos nossos alunos sobre o câncer, mostrando que é possível sim evitar a doença, com conscientização sobre hábitos saudáveis como não fumar, manter alimentação balanceada e realizar exames preventivos indicados em cada faixa etária”, afirma Giovanni Guido Cerri, secretário de Estado da Saúde.

Sensibilizar para transformar

O aumento significativo do volume de casos de câncer ao longo das últimas décadas está associado, principalmente à ampliação da expectativa de vida e à interferência de fatores externos, como a exposição a substâncias carcinógenas – aquelas capazes de provocar uma mutação celular que levará ao desenvolvimento da doença. Estima-se que cerca de 70% dos cânceres são determinados por fatores externos intimamente ligados ao ambiente e ao estilo de vida das populações.

Diante disso, a promoção da saúde e o diagnóstico precoce são armas poderosas que podem contribuir com o controle do número de casos de câncer. Assim, a educação em saúde, como processo orientado para a utilização de estratégias que ajudem o indivíduo a adotar ou modificar condutas que permitam um estado saudável, é fundamental.

A concepção desta teoria deve pressupor uma educação para a vida, caracterizada por uma prática que permite a interação dos saberes, reflexões e expectativas, dando autonomia aos indivíduos nas escolhas que deverão ser feitas. É neste contexto que atua o programa Educar é Prevenir. “A ideia é fazer uma prevenção global do câncer. Embora não seja possível evitar todos os tipos da doença, pode-se fazer a partir da prevenção primária. Tumores malignos localizados na pele, no pulmão, na traqueia, na região da cabeça e do pescoço, no pâncreas e na bexiga, são preveníveis com a adoção hábitos de vida saudáveis, como não fumar ou evitar o consumo exagerado de bebidas alcoólicas”, conta Hoff. Outras atitudes importantes dizem respeito à manutenção do peso, controle da obesidade, prática de atividades físicas e prática de sexo com uso de preservativos.

Durante as palestras a concentração completa dos estudantes chamava a atenção. Mesmo após a abordagem de assuntos delicados, como sexo seguro, não se evidenciou o comum burburinho, risadinhas ou piadas tão inerentes ao ambiente escolar. Para Thayna Serra, 18 anos, uma das alunas que participaram da ação, ficou claro como as atitudes adotadas agora podem influenciar a qualidade de vida de cada um no futuro. “O que a gente faz agora vai refletir daqui 10 ou 20 anos. Eu pensava que esse processo era mais curto”, conta.

Outra estudante aproveitou a oportunidade para esclarecer dúvidas sobre a doença. “Muitas pessoas tinham questionamentos simples, mas às vezes falta a informação. Eu pratico esportes, mas você vê que não é só o esporte que ajuda. Tem outras coisas fundamentais. Vou repensar meus hábitos”, revela.

Entre a comunidade médica envolvida com a iniciativa o entusiasmo também ficou evidente – todos os 80 médicos ficaram muito satisfeitos por poder contribuir com a promoção da saúde de pessoas com idade ainda precoce. “Fui recebido pela diretoria e tratado como uma espécie de “celebridade”. Apesar de a escola encontrar-se no final do semestre para fechamento das notas e da proximidade da primeira fase da FUVEST, a palestra foi prestigiada por todos os alunos do terceiro colegial. A apresentação, seguida de perguntas, durou mais de uma hora”, conta Chin Chen Lin. O oncologista, Cláudio Luis Ferrari também vibrou com os resultados. “Retorno da palestra animado. Pude falar sobre o tema a 300 adolescentes. Valeu a pena”.

Continuidade

Embora a ação tenha se iniciado com as palestras, a cartilha e o vídeo, o programa Educar é Prevenir não se encerra por aí – afinal, promover a saúde e a educação deve ser uma ação contínua, tal qual alertava Platão. A continuação das atividades do projeto se dará logo no início de 2012, quando os diretores e professores de biologia receberão um treinamento sobre a prevenção do câncer, por meio de videoconferência com profissionais do Instituto do Câncer. Desta forma, os mestres terão a possibilidade de acrescentar às suas aulas informações precisas sobre o assunto.

Trata-se de uma maneira de potencializar o ciclo da informação, disseminando-a de maneira eficaz entre os jovens. Na opinião do secretário de Estado da Educação, Herman Voorwald, “com esta ação, os alunos passam a ser multiplicadores da informação, além de crescerem conscientes de que é possível prevenir males futuros”.

Para garantir que a informação circule na sociedade, permitindo a promoção da saúde à população em geral, tanto a cartilha quanto os vídeos foram disponibilizados nos portais do Icesp e das Secretarias da Saúde e da Educação – por meio deste último também é possível interagir, encaminhando dúvidas, que serão esclarecidas pelos profissionais do Instituto.

Cartilha contra o câncer.

A prevenção é a principal arma contra o câncer. Hábitos como o tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas, sedentarismo, alimentação inadequada e prática de sexo sem proteção, entre outros, são fatores que estão diretamente ligados ao desenvolvimento de diversos tipos de tumores. Evitar esses hábitos e manter uma vida saudável pode ajudar a prevenir a doença.

“É fundamental que a prevenção comece bem cedo, sendo não só uma preocupação com o presente, mas, principalmente, com o futuro. O câncer pode ser evitado em muitos casos e manter hábitos saudáveis é o primeiro passo para combatermos a doença”, alerta Paulo Hoff, diretor geral do Icesp.

Um momento

Há momentos da vida em que nos pegamos pensando que já vimos muita coisa. Passamos por muita coisa, sofremos com muita coisa. Aprendemos com as nossas experiências e às dos outros, colegas, conhecidos, amigos, familiares.

Imaginamos que, diante disso tudo, viver torna-se mais fácil. Problemas tornam-se menores. Enormes rochas transformam-se pequeninas fagulhas no caminho.

E aí nos lembramos que não há nada como sentir na pele. Sentir na pele a dor e o amor. Sentir na pele a repulsa e o acolhimento. Sentir os olhos que recaem sobre nós como espadas afiadas ou como mãos suaves que afagam.

E recordamos, pela experiência prática, de que há momentos em que é possível vivenciar tudo isso, ao mesmo tempo. Vivenciar a dor e o amor, olhares de aprovação e de reprovação. E, nestes momentos, nos redescobrimos enquanto seres humanos. Descobrimos ter forças nunca antes demonstradas. Descobrimos sensibilidades tantas vezes maquiadas. Descobrimos que grandes experiências são capazes de nos transformar em um ser completamente novo. Novo para os outros e novo para nós mesmos.

Quando nos vemos em um desses momentos, em uma dessas etapas cruciais em que olhamos uma parede construída e nos damos conta de que não era aquilo que queríamos, isso não significa, necessariamente, que a parede tenha ficado feia ou tenha sido mal construída. Ao contrário, todo o tempo destinado à sua confecção esteve repleto de dedicação, carinho, concentração, esforço… O fato é que, ao vê-la alí, nos damos conta de que não queríamos uma parede. Mas um barco, uma casa na árvore, um avião…

Destruir a parede para dar lugar a algo novo dói. Mas a esperança e a felicidade que brotam ao tomarmos consciência de que estamos trabalhando para construir uma vida nova, de acordo com nossos sonhos, anseios e possibilidades nos dá o ânimo e a força necessários para seguir adiante.

Mas nesse momento, em que o pó da demolição e o despertar para uma nova situação se misturam, colocamos todos os sentimentos no caldeirão. E embora saibamos exatamente o que causa tristeza, o que causa alegria, o que nos dá esperanças, o que nos desmotiva…, todas essas sensações estão à flor da pele. Nos tornamos mais sensíveis e emotivos. Pela nova situação, tendemos a reparar no que antes havia se tornado comum. O cinza se configura numa nova escala de cores, que vai do branco ao negro… Muitas vezes é difícil domar as emoções que surgem violentas em momentos inapropriados. Difícil, porém necessário. Faz parte do aprendizado.

Nos tornamos pó de nós mesmos, para nos reconstruir. Derrubamos o que não gostamos em nós, transformamos nossas vidas, como se recomeçássemos completamente em uma nova existência. Tornamo-nos oleiros de nós mesmos. Vamos ao fundo de nossa alma para fortificar o que consideramos serem nossas virtudes e para reduzir nossas fraquezas.

Pode ser um processo difícil. Mas é a estrada que escolhemos para nós. E, mesmo sabendo disso, mesmo estando felizes com a transformação, este não deixa de ser um processo dolorido. Resta-nos dizer: ei dor, bem-vinda. Eu te sinto, sim. E você me fortalece…

E abrir caminho para o novo, como diz Bruna Caram, em Palavras do Coração

São sorrisos largos,

Lagos repletos de azul,

Os corações atentos,

Ventos do sul.

São visões abertas,

Certas despertas, pra luz;

A emoção alerta,

Que nos conduz.

Sonhos, aventuras,

Juras, promessas,

Dessas que um dia acontecerão…

Você me daria a mão?

Todos estes versos, soltos dispersos,

No meu novo universo serão

Palavras do coração.

Os artifícios,

Vícios, deixando de ser;

Os velhos compromissos,

Pra esquecer.

São pontos de vista,

Uma conquista comum,

O mesmo pé na estrada,

De cada um

Sonhos, aventuras,

Juras, promessas,

Dessas que um dia acontecerão…

Você me daria a mão?

Todos estes versos, soltos dispersos,

No meu novo universo serão

Palavras do coração.

Ps: Sim, eu te daria a mão. E seguiria com os meus pés nessa mesma estrada… Para que ela nos leve sempre na mesma direção, rumo aos sonhos e aventuras, às juras e promessas que um dia se concretizarão…