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Carina Eguía e Thais Mirotti    

Um sorriso largo, simpático. Uma firmeza de impressionar. Uma voz serena, mas séria, com a seriedade de quem passou por muita coisa difícil, mas a sutileza e a garra de quem lutou até o fim. Um jeito moleque, mas de gente grande, muito grande em sentimentos, em pensamentos, na forma como encarar a vida. Aos 39 anos, o ator Reynaldo Gianecchini, recém curado de um câncer linfático, afirma que não teve medo da morte e nunca encarou sua doença como um castigo. “É a vida querendo nos dar umas cutucadas para enxergarmos as coisas e vivermos o dia-a-dia com intensidade, sem pesos, apesar das dificuldades”.

Durante sua doença e o período de internação, perdeu seu pai, também vítima de câncer. “Tive uma despedida linda dele e entendi ali a morte, sem ser uma coisa dolorida. A doença nos faz voltarmos para o nosso lado humano, espiritual”. Hoje, afirma que seus dias tem um sentido diferente, especial, dando mais valor as coisas, as pessoas.

De volta à vida, Giane, como é conhecido pelos amigos, retorna aos palcos, renovado e renascido, com a peça Cruel. E foi com esse espírito de superação, garra e simplicidade, que o ator recebeu a SP Câncer para uma conversa sincera e sensível, esbanjando alegria e vontade de fazer da vida o que ela simplesmente é: leve. “Quero viver o que tenho para viver hoje, e não simplesmente passar pela vida”.

SP Câncer – Você acredita que a história que você passou ajuda, de alguma maneira, quem luta contra o câncer? Como essa história o ajudou?

RG – Minha história é muito próxima da de muita gente. É uma história de várias famílias, que passaram pela mesma situação. Mas acredito que eu possa ajudar sim. O que passei foi feliz no sentido de que tive um posicionamento muito otimista em relação a doença. Eu não encarei nunca como um castigo. Nunca fiquei revoltado com a idéia de estar doente.  Desde o começo, foi muito espontâneo isso em mim e sempre acreditei que nada é por acaso, nem aquilo (a doença) era por acaso.  Acreditava que era preciso eu rever algumas coisas na minha vida, em todos os aspectos. Desde a sua alimentação, o seu jeito de viver, ou talvez a vida querer te dar umas cutucadas para enxergarmos outras coisas, o lado mais humano das coisas.
Aceitar minha doença foi acreditar que eu poderia aprender. Passar por essa experiência, de entrar em contato com a morte, me despertou esses sentimentos. Fiquei muito atento com tudo o que podia aprender e isso, na verdade, passou a ser um desafio para mim. Viver, todos os dias, foi um desafio muito grande e instigante. E eu sabia que esse processo iria ser enriquecedor para mim. Diante disso, ao invés de achar que era uma desgraça, um castigo, encarei como uma grande oportunidade para eu dar a volta por cima, para eu mesmo testar os meus limites, buscar a espiritualidade. Foi um trabalho interno que encarei como um desafio. Meu tratamento, que duraria seis meses, virou como um filme ou uma novela para mim, já que, sempre que eu vou para um trabalho, quero entender o que aquele processo vai trazer para a minha vida. Não só profissionalmente, mas pessoalmente. E foi essa a postura diante da doença. Pensava nas pessoas com quem iria conviver, nas trocas humanas. Sairia com um ganho desse “trabalho”, sempre pensando: “O que eu posso aprender com isso?”. Com certeza, hoje posso dizer que isso, na verdade, foi uma fase com mais coisas bonitas do que com dor e tristeza. Eu não tive tristeza nem dor. Acredito isso é muito pequeno perto de tudo o que recebi. A doença, às vezes, é só a ponta do iceberg para você conseguir enxergar o processo inteiro. E, quem consegue fazer isso, verá que tem muita coisa positiva para aprender. Me tornei um cara tão melhor (pensativo)… Descobri o que é a troca humana e passei a trocar muito mais com o ser humano, a me interessar mais pelo ser humano e a entender qual o sentido das coisas, para mim e na minha vida.

SP Câncer – Como foi esse tempo de espera entre a suspeita e o diagnóstico da doença, efetivamente?

RG – Por incrível que pareça, o que poderia ser uma tortura, no meu caso não foi. Porque eu fiquei tentando entender dentro de mim o que seria estar doente. Isso fez parte do processo e acho que fui buscando muito o meu lado espiritual para tentar entender o sentido disso, o sentido da morte, já que não sabia o que viria pela frente. E essa questão da morte é muito maluca. A gente vai ter que enfrentar em algum momento da nossa vida e todo mundo age como se não fosse enfrentar. E sim, a gente vai! Claro que eu sou muito novo e morrer jovem não é uma coisa que me parece muito natural, mas, de qualquer forma, a gente tem que contar com a morte. Sempre. E é muito bom sabia (mexe na cabeça, com um olhar bem distante). Se as pessoas pensassem mais que, amanhã, elas podem sofrer um acidente e morrer, por exemplo, elas iriam viver o dia de hoje com muito, mas muito mais intensidade e totalmente desprendidas de todos os apegos que não são importantes. E acho que é assim que a gente vive, contando com a morte. Olhando para ela. O meu presente tem um sabor totalmente diferente neste momento. Cada dia que eu passo, eu curto com intensidade. Até o sofrimento é legal não mascarar, de passar por aquilo, pensar o motivo de não estar bem e entender que, amanhã, você pode estar se sentindo ótimo. O presente se torna muito diferente quando você tem essa perspectiva da morte. Quando aceitei essa possibilidade, já comecei a viver o presente, a buscar o sentido das coisas.

SP Câncer: Você não teve medo?

RG – Olha, eu tive (pausa)… acho que tive um pouco sim. Mas foi tão sutil, mesmo. Tive uma força tão grande que foi mais forte que tudo, que todo o medo.

SP Câncer – Você é uma pessoa que tem uma vida extremamente agitada, está sempre em contato com diversas pessoas e situações. O tratamento exigiu que você ficasse ficar isolado durante um tempo. Como foi viver esse isolamento?

RG – Foi tranqüilo. Não podia e nem tinha como brigar aquela situação. E tem coisas que a gente não controla. Esse é o tipo de coisa que sabia que não tinha o menor controle. Eu simplesmente estava doente e pronto.  Tive que virar uma chavinha dentro de mim  e aceitar que aquele tempo, meu tempo, seria para me cuida, para viver o processo intensamente, com entendimento. Buscar a minha cura. Eu quis participar ativamente da minha cura, através de uma alimentação boa e que me ajudasse, também, na doença, através de exercícios físicos – por mais que seja difícil para quem está fazendo quimioterapia, e é, me forçava a fazer caminhada, pelo menos, quando dava. Busquei também uma saúde mental e espiritual. Tudo isso acredito que ajuda na cura, mesmo. Fui atrás da minha força vital, de alguma forma. Não tinha mais importância, para mim, ir para a academia malhar, vir trabalhar – embora eu adore o trabalho. Aceitei que o momento era viver o processo. Foi muito fácil porque não tinha ansiedade. Eu vivi o que tive para viver. Vivi um dia de cada vez. E acho que tem que ser assim. Viver um dia de cada vez, e viver o que o dia tem para te oferecer. Conviver com outras pessoas no hospital, principalmente com as criança, também me ensinou. Muiotas pessoas dizem que sou inspiração para elas, mas nossa (com os olhos brilhando), também tive muita inspiração nas pessoas. E como tive… Convivia e freqüentava os quartos todos, falava com os pacientes…  Era uma grande inspiração chegar no quarto de uma criança e ela estar ali, com um sorriso lindo, com toda a força dela, buscando e lutando… É muito bonito. Tinha gente ali com casos muito mais graves e as pessoas levando a situação com confiança, sendo leves. É muito comovente, e me tocou bastante. E eu imagino como é também para os médicos, que não estão doentes, mas que vêem as pessoas ali, batalhando pela vida. É mesmo um sentimento incrível de força, vontade.

SP Câncer – Na sua reestréia no teatro após a doença, boa parte da equipe médica estava te prestigiando. Como era sua relação com eles?

RG – Tive uma sorte enorme de cair nas mãos de uma equipe extremamente competente. E eu precisava realmente que fossem médicos muito bons, porque eu tive um câncer raro. Além de todos terem esse conhecimento do caso, tinham uma coisa que eu acho fundamental na vida do ser humano: cuidado e sensibilidade. Isso era preciso para lidar com toda a família e não só de quem está doente. Minha relação foi de muita troca, confiança, carinho, amor… e o que me deixou mais feliz é que esse tratamento era com todos os pacientes, uma relação de ser humano para ser humano. Isso foi muito importante.

SP Câncer – Qual você consideraria que foi a fase mais difícil do tratamento?

RG – Psicologicamente, o mais difícil foi o começo, receber a notícia. E é muito difícil para todo mundo, paciente e familiar. Mas, fisicamente, foi a reta final que senti mais, com o transplante. Principalmente porque foi um procedimento muito agressivo. Meu corpo sentiu bastante e foi bem penoso.  Mas, ao mesmo tempo, era onde eu estava mais forte porque sabia que, depois daquilo, iria dar tudo certo. Tinha esse sentimento comigo. E fiz tudo o que tinha que fazer. As pessoas me falam “Ah, você foi forte”… Acho que não tem muita alternativa. Ou você fica chorando, deprimido, ou você encara e vai buscar a força, vai lutar, fazer o que tem que fazer. E sem drama. Quando você encara de frente, tudo fica diferente. Você tem que tirar o peso e não pode ficar pensando o que vai acontecer lá na frente. É preciso viver o hoje. Tirando o drama, tirando o peso, tudo se torna infinitamente mais fácil.

SP Câncer – E a alegria de receber a boa notícia depois?

RG – Ah, isso não tem preço! Nunca duvidei e sempre estive muito otimista. Acho que tudo o que a gente coloca com amor no universo, se materializa, de alguma forma. E eu acreditei muito na minha cura, visualizei muito a minha cura. Enxergava eu saindo do hospital outra pessoa. Há casos que talvez não tenham cura porque não é para acontecer. Um exemplo disso foi o meu pai. Meu pai morreu de câncer e eu entendi que a história dele era essa, que ele tinha (pausa)…  que ele precisou ir. Nada é por acaso, ele precisou ir… Tive uma despedida linda do meu pai. E entendi muito, também. Foi importante eu passar por isso, porque, naquele momento eu entendi a morte. Não foi uma coisa dolorida, foi uma coisa que eu aceitei. Acredito que meu pai tenha vivido tudo o que ele tinha para viver, aprendeu o que tinha que aprender. A doença também fez dele uma pessoa diferente, fez ele voltar para o seu lado humano. A gente tem que lutar e viver o dia a dia, buscar a cada dia o crescimento, em tudo o que fazemos. Ser melhor profissional, ser melhor amigo, ser melhor amante, ser melhor em tudo.

SP Câncer – O fato de fazer o transplante e precisar de uma quimioterapia tão agressiva, que acaba com todas as defesas do organismo, faz com que o corpo tenha uma sensação de que está renascendo depois que o processo acaba… Você se sente renascido?

RG – Muito. É impressionante.  Fisicamente você renasce, suas células são todas novas, a pele é nova, a unha, os pelos, o cabelo… É tudo novo. E, internamente, é um renascimento consigo. Acredito que ninguém que passa por isso, por essa experiência, é a mesma pessoa depois. Me sinto, muito alterado, e para melhor.

– Qual a importância da sua família nesse processo de tratamento e recuperação?

RG – Minha família foi e é fundamental. Não dá para imaginar como eu passaria por isso sem a família. Minha mãe ficava ali, dia e noite comigo, era minha grande companheira. E além disso, foi muito guerreira, já que meu pai também estava doente. E foi curioso… acho que ela se abalou muito e ficou  frágil com a história do meu pai. Mas quando apareceu a minha história também, o meu diagnóstico, veio uma força extra nela. De frágil, ela virou uma pessoa forte demais. Durante todo o meu processo, ela esteve junto comigo. Era uma troca muito bacana de otimismo. Acredito que minha postura também tenha ajudado. Se eu ficasse reclamando, chorando, deprimido, seria muito difícil para ela. Mas eu era o oposto disso. Tinha um sorriso na minha cara todo dia. E não estava fingindo. Eu não estava triste mesmo. Eu nunca estive, nem um dia triste. Eu não sei se é amor incondicional, de mãe, mas dá uma força que é de admirar.

SP Câncer – E você recebeu muitas mensagens de apoio no hospital?

RG – Muita. Nossa, e como recebi. Isso também é outra coisa que me ajudou demais. Criou-se uma energia de amor muito forte e isso me alimentava. Era muito bonito. É ainda é. Recebi muito carinho. E eu tinha muita vontade também de dar amor para as pessoas, de trocar esses sentimentos. Esse foi um dos grandes ensinamentos que tive. A gente está aqui para trocar. A vida é muito rápida, somos ocupados com milhões de coisas para fazer, e não costumamos olhar para o ser humano que está ao nosso lado. A gente não é generoso no cotidiano, nas ações, em ajudar alguém na rua, em oferecer ajuda. Isso tudo mudou muito em mim. Hoje em dia presto atenção nas pessoas, quero ver o que elas tem para me dizer. Eu realmente olho bem dentro do olho e quero ouvir o que ela tem para falar, e, se eu puder, ajudá-la.  Estamos aqui para trocar e isso é muito positivo e é uma descoberta importante na vida. A doença mudou meu ritmo interno.

SP Câncer – Você é uma pessoa que dá exemplo de superação, de garra, de força, para as pessoas. Primeiro porque é o garoto que nasceu e cresceu no interior, ganhou a vida, se consolidou numa carreira que é extremamente difícil e cresceu muito profissionalmente. E depois por toda essa história com relação ao câncer. Você se sente um pouco responsável quando olham para você e tentam entender o Giane e se espelhar em você?

RG – Me sinto. De alguma forma, sim. Na verdade, quem é uma figura pública, tem muita responsabilidade. E por isso que é importante você cuidar da sua imagem. Mas cuidar no bom sentido.  Você sempre tem que oferecer uma imagem positiva para a população. E, querendo ou não, entramos na casa das pessoas de uma forma muito forte. Não dá para falarmos que não tem responsabilidade porque, sim, a gente tem responsabilidade. Mexemos com a sensibilidade, com sonhos, com as fantasias dos outros. Acho muito importante saber o que você vai comunicar, de que forma você vai fazer isso chegar do outro lado, E que seja sempre uma coisa positiva. Isso também faz parte do trabalho do artista.

SP Câncer – E como é voltar para o teatro, voltar para a vida, voltar para a casa?

RG – É ótimo. Ótimo! Eu gosto de trabalhar e de ter voltado à rotina com essa peça que fala muito de relações humanas. É interessante porque é como se eu tivesse uma outra leitura do texto. O tempo, as pausas, o jeito de falar… as palavras tem outro sabor na boca. Tudo o que passei mudou e mexeu muito comigo. O material do ator é o que ele carrega dentro de si. Esse é o material de trabalho dele. São as emoções, os aprendizados. Eu tinha certeza que isso iria me transformar muito como ser humano e refletir também no meu trabalho, para melhor. Hoje em dia, tenho muito mais bagagem para entender o personagem e trabalhar com a minha sensibilidade.

SP Câncer – Se pudesse descrever, em uma palavra única palavra, a sua vida hoje, qual seria?

RG – Em uma palavra? (suspiro e longa pausa). Viver. Essa é minha palavra. E viver no amplo sentido. Viver intensamente tudo o que tem. Acordo todos os dias e penso assim: “Eu quero viver o que tem para viver hoje, e não simplesmente passar pela vida”. Parece ditado, mas é legal quando a gente incorpora isso. Passamos a ser livres, leves.  Meus dias agora são muito mais preenchidos, mais intensos. Tenho prazer em tudo o que faço e nada mais passa batido. Isso é felicidade.

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